Os carros de antigamente vinham de fábrica pelados no quesito acessório. Era somente direção, banco e pneus, cercados de metal por todos os lados. Nem cinto de segurança havia. O painel era feito de puro aço, que ajudava ainda mais a dilacerar os ocupantes nas batidas frontais. A evolução veio se chegando e transformou velhas carroças motorizadas em automóveis que só faltam falar. Aliás, faltava. As ruas estão cheias de carro que proseia e ensina como chegar. Mas os itens que mais se renovaram foram os apetrechos de som. Do prosaico rádio no console passou-se para a leitura dos arquivos digitais, como o MP3, CDs e DVDs.
Pois o fazendeiro Frutuoso Quintanilha queria fazer um agrado para patroa, sujo que andava em casa, e comprou um Astra zerinho, equipado com os maiores avanços tecnológicos, entre eles o CD Player. Num domingo, água que Deus mandava em tacho de cigano, foi até a campanha com o carro da mulher, pois, no barro, o carro leve atola menos que a camioneta. Tinha que levar um saco de semente de feijão para o plantio do tarde. Assim que esbarrou a montaria de ferro em frente às casas, desceu a mil, fugindo do aguaceiro rumo ao galpão, onde mateava o peão Gervásio de mano com a solidão, só bombeando a fila indiana das goteiras que se formava ao derredor das calhas.
Ordenou o Frutuoso, abancando-se num cepo de três pernas:
-Gervásio, vai lá no carro e pega um saco de feijão miúdo no banco do carona. Traz a semente e planta quando a chuva der uma mermada.
E lá se foi o peão, gambeteando os pingos rumo ao carro da patroa.
Gervásio era mais grosso que arroto de corvo com azia. Para ele, a evolução atingiu a cunheira quando o homem inventou a máquina de debulhar milho. Como companheira para joquear com os ermos tinha apenas uma radiola daquelas de válvula. Enquanto não ouvia pela manhã uma música do Gildo ou do Teixeirinha, o Gervásio não ia aos pés. Intestino baldoso, segundo atestou a Firmina, curandeira que ficou afamada no quinto distrito depois que curou um porco de banha que estava morrendo de gula.
Varejada umas quantas voltas no segundeiro do relógio, surge o Gervásio na soleira do galpão, semblante assustado, e o que é pior, sem o saco de feijão.
Travou-se então o seguinte diálogo, testemunhado pela sapaiada que caiu do céu junto com o temporal:
– Mas o que é que houve contigo, que tá com essa cara de quem viu lobisomem guaxo mamando em égua machorra?
– Acho que estraguei o auto da patroa!
– Como assim estragou o carro da patroa?
– É que eu abracei meio tipo bicho o saco de feijão, por causa do caldo no lombo, e sem querer encostei o cotovelo no painel do auto. Quando eu vi, saltou uma arruela prateada desse tamanho!!!
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