Para os professores de botânica e estudiosos da matéria, ela seria da família das dicotiledôneas, da ordem das ranales, procedente das terras boreais, com folhas alternas. As flores, grandes, alvas e perfumadas, são muito belas e estimadas pelos transeuntes dos países temperados.
Pois aquela magnólia, nascida em tempos imemoriais perto da praça, bem do outro lado do poço, sabe mais sobre nós e nossos avós do que a memória mais preciosa de que alguém pudesse dispor. Tanto faz se foi plantada ou veio a furo, porque o resultado, qualquer que seja ele, irá para o mesmo buraco fundo donde ela nasceu. Já fez sombra e foi refúgio para músicos, gambás, loucos e espertos de todo o gênero, o que não tem pouco por aí ainda hoje, a bem da verdade.
Até agora, por exemplo, anda procurando entender por que o Peter e a Consuelo vinham de tão longe carnavalizar em São Sepé, deixando para trás opções bem mais interessantes. Os amigos daquele simpático casal ficavam na dúvida: a relevância do motivo que os trazia da Europa para cá era apenas o prazer de passar alguns dias embaixo daquele lenho, tomando cerveja morna e ouvindo conversa de bêbado descornado, ou estavam em busca de experiências exóticas a embasar um futuro trabalho científico sobre as esquisitas relações interpessoais entre seres multifacetados.
Também foi testemunha presencial e sentiu na própria carne um dos primeiros protestos ecológicos civilizados de que se tem notícia no universo terreno. Foi quando o Dr. Cláudio Capuano nela subiu ao ficar sabendo por alto que a árvore iria ser derrubada. E quem diz que o homem desce de lá!
Foi preciso a intervenção da tia Lília e de muita gente graúda no cenário boêmio da urbe para demovê-lo da ideia de lá permanecer indefinidamente, em forçada greve de sede. Só desceu do galho mestre quando teve a garantia do podador Menoti de que a operação não passaria de uma frugal retirada das ervas daninhas que estavam esgoelando o frondoso vegetal.
Pois não é que aquela já milenar manifestação conservacionista surtiu o efeito desejado!
Primeiro, a Lei Municipal nº 1.517, de 12 de abril de 1983, decretada pela Câmara de Vereadores de São Sepé e sancionada pelo então Prefeito, João Luiz dos Santos Vargas, declarou imune de corte a magnólia, “por sua localização, raridade e beleza”. Em seu artigo 3º ficou determinado que os serviços de poda e conservação da referida árvore ficarão a cargo da Prefeitura Municipal, como acontece hoje.
E agora, através do Decreto nº 4.428, de 13 de novembro de 2023 – esta semana, portanto – o mesmo João Luiz Vargas, com a sua sensibilidade voltada também para a conservação da paisagem urbana e, principalmente, histórica do nosso município, declarou de interesse público, para fins de tombamento provisório, a nossa estimada e velha magnólia.
Será em seguida tombada de forma definitiva, para que qualquer projeto de construção que houver no futuro, ou, mesmo, que esteja em tramitação junto ao poder público municipal, leve em conta na sua arquitetura que ela irá ficar ali, no mesmo lugar, judiada de tanta erva de bicho, mas altiva, respeitada e certamente saudosa do velho Isidoro, do Delui, do Marzinho, daquele burburinho de hotel, das camareiras agoniadas e dos garçons Indio e Paulinho servindo clientes que hoje já viraram espíritos fraternos.
A imunidade da magnólia
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