E foi Combinado

Colunistas Geral

João Luiz Vargas – Prefeito de São Sepé, ex-deputado estadual e ex-presidente do TCE/RS

A proximidade com a Páscoa me arrepia de saudades do Festival da Barranca, evento musical que ocorre em São Borja anualmente, organizado pelo tradicional grupo de arte Os Angüeras. Nestes 50 anos de história, seguem como esteios do evento os valores culturais do gaúcho, como respeito, palavra, hombridade, solidariedade e paz. Desde o ano passado, com a situação da pandemia, o encontro presencial foi adiado ampliando a angústia pela espera de nos reencontrarmos. Confesso que já ando com o violão desafinado e a sacola de poemas se enche a cada nova partida, como a do guardião do evento, Farelo Lima, que morreu dias atrás. Este ano de 2021, a canção “E Foi Combinado”, de João Carlos Loureiro, Edio Giacomelli e Odemar Gerhardt, completa 20 anos. Ela venceu a Barranca de 2001, na 30ª edição do Festival.

Pois neste período pré-Páscoa, infelizmente, os versos rústicos do puxirão musical missioneiro, que garantem que as coisas combinadas devem ser cumpridas, foram contrariados pela decisão torta anunciada pelo Governador Eduardo Leite de que 70% da gloriosa Companhia Riograndense de Saneamento vai ser passada nos trocos. Sem dúvidas, vender a Corsan é um erro. Ainda que precise de uma expressiva injeção de recursos para atingir as metas impostas pelo Novo Marco do Saneamento Básico, se desfazer de mais de dois terços das ações de uma empresa pública que gera lucro e cumpre sua função social não é uma medida inteligente, frente ao crescente interesse da humanidade por água potável barata, como a que temos aqui.

Como prefeito de São Sepé, com a experiência acumulada de longos anos na Assembleia Legislativa e no Tribunal de Contas do Estado, sei da importância de uma prestadora de serviço pública no setor de saneamento. Digo isso porque as discussões de privatização neste segmento sempre se dão em cidades em que o serviço é superavitário, como Santa Maria, Santa Cruz do Sul e Canoas, sem levar em conta que estas operações são as que financiam o abastecimento de água nos rincões mais distantes, como a pequenina Garruchos, ou na resistente Vila Nova do Sul, emancipada de São Sepé nos anos 90.

O quadro pintado pelo governador é a falta de R$ 1 bilhão por ano até 2033, quando o abastecimento de água e principalmente o tratamento de esgoto deverão chegar a todos os gaúchos. São investimento em obras, uma vez que o serviço de saneamento se paga, pelo que parece, já que a Corsan dá cerca de R$ 300 milhões de lucro anualmente. Com ações tributárias, a empresa pública conseguiu no ano passado R$ 1,4 bilhões de ativos. Bem verdade, a Corsan é uma jóia gaúcha que está sendo entregue aos mecenas da Avenida Farias Lima, em São Paulo, local de encontro dos donos das empresas privadas de saneamento na América Latina.

Infelizmente, o governador Eduardo Leite não cumpre o que combinou com seu eleitorado em 2018. Disse que não venderia a Corsan e é o que pretende fazer agora. Ainda que fosse buscar a capitalização em uma boa parceria público-privada, aos moldes das bem sucedidas em outros locais do Brasil, ou – quem sabe – financiar investimentos com dinheiro que bancos do mundo têm a reveria para este tipo de projeto. Mas não, o chefe do Executivo estadual preferiu surpreender a toda a comunidade gaúcha indo na linha da venda, como se o mais agudo caminho fosse o único. Não resta outra possibilidade a este prefeito de um pequeno município gaúcho que não seja ajudar na articulação de políticos e do povo para que a ideia seja apresentada amiúde e, com isso, todos sejam convencidos de que existem outros caminhos alternativos à privatização. Que esta Páscoa desperte o sentimento de renascimento do orgulho que o gaúcho tem por sua palavra e suas façanhas, como a construção de uma importante e superavitária empresa pública no ramo do saneamento.

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