Se eu fosse rei um dia, e rei pode tudo e mais o tanto que quiser, conforme consta nas Escrituras Sagradas (se não está lá, deveria estar, pela importância do assunto), buscaria no mundo vizinho o Faim, com a suavidade do seu clarinete e o descuido de filósofo. Exigiria o retorno, pra ontem, do meu pai, da Isabel, do Júlio Vargas, do Almerindo Borba, do Peixoto, do Sérvulo Brum, do pracinha Basileu e outros do mesmo time de bondade, e o motivo, caso alguém ousasse indagar ao rei, era só um: bordalesas de saudade. E eles pegariam de novo a estrada do céu só quando me desse na telha, e ficariam no entorno do imperador ensinando aos vassalos como é que se modela a argamassa da benevolência, do amor ao que anda por perto e precisa dele que nem o coração necessita de sangue para seguir trabalhando.
Os meus escolhidos mostrariam ao povo reverente como pessoas sem dinheiro na conta bancária ou quaisquer titulações nobiliárquicas conseguiram ter tanta importância para os semelhantes do reino, só tendo para dar em troca a roupa do corpo, um solo de sax, um canto boêmio bem lá na sumidade da noite. Homens que dispensavam convite para serem recebidos com festa na casa dos amigos, e quando vinha de lá a visita dava tudo na mesma coisa.
Se eu fosse rei um dia, os filhos cresceriam até quando pudessem manter fogos de artifício nos olhos e o riso envolto em sedas de ternura. Somente assim não veriam velhos ressentimentos e os desejos de vingança que se escondem sorrateiros no peito de um montão de adultos.
Lá onde eu reinar, cada súdito escolherá livremente a sua fé, desde que Deus, é lógico, possa interferir nas escolhas. É que anda muito perigoso deixar alguns homens com poder de vontade. Eles cometem uma bobagem atrás da outra quando o Pai se afasta um pouquinho para tirar uma pestana.
Nos meus domínios de monarca, atentaria contra a moral e os bons costumes não ser feliz pelo menos um dia na semana. Em seminários e workshops haverá um espaço destinado à discussão sobre novas formas de amar. O preço da entrada será uma pequena porção de estima não-perecível.
Enfim, se eu fosse rei um dia, todos os meus submissos poderiam sentar descalços na Praça das Mercês para ouvir o megafone imaginário do Perereca anunciar que cedo também pode ser a hora de arrumar as malas e partir. Por isso, a vida, de tão franzina, tem que ser mimada, carregada no colo como uma criança com frio, pois o barquinho de papel que a conduz rio afora não tem bússola que mostre os caminhos de voltar.
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