QUANDO AS ILUSÕES DIZEM ADEUS

Colunistas Geral

Um líquido de vertente misteriosa desceu serpenteando as entranhas do cérebro em direção aos olhos. Com gosto de sal fino, veio irrigar-me de tristeza nestes dias de chuva misturada ao frio que sobrou do inverno insensível. Mesmo sem condenação arbitrada no papel timbrado dos tribunais, sou prisioneiro de mim mesmo. Melhor dizendo, da lágrima que deriva duma trajetória insossa e bem distante do provável. Choro pela dor que não me pertence, pois a que suporto é insignificante se comparada a de outros da mesma espécie, e quem a acolhe por pena sofre bem mais do que eu. Em sendo certo o meu fracasso de ser uma pessoa boa na medida do possível, resta o consolo de que fiz o mais que pude na tentativa de alterar o eixo de rotação das ventanias. Mais faria se fosse diferenciado, ainda que não conheça os meus pretensos irmãos quanto aos seus efetivos propósitos.

A certa altura da vida, perdemos as ilusões de vez. Não deveria ser assim, pois merecíamos uma melhor recompensa pelo simples fato de ainda estar de pé no centro do ringue, mesmo que desferindo socos a esmo. Cada vez mais temos menos amigos, os pais indo embora sem aviso e os filhos deixando aviso que foram embora. Como, então, ser otimista, se o barco frágil que nos tem na proa segue à deriva e já sem os remos rumo à febril garganta da cachoeira?

O que mais me entristece beste inventário dos afetos são as pessoas que se julgam num andaime acima das demais, e não medem esforços para subir na vida, nem que o preço da ascensão seja pisar no pescoço de quem se atravessar no caminho. Na verdade, e bem no fundo, sinto pena desse tipo de gente, que se acha grande, mas não ultrapassa a altura dum gnomo. São amargas, pequenas e infelizes, incapazes de um gesto de carinho até para com o filho enfermo. Mas não me surpreende que sejam assim. A grei que nos conduz é movida pelo combustível das cédulas de cinquenta, e o motor é a ganância dos usurários. Ser bajulado pelo gerente de banco vale muito mais a pena do que ser gênio ou santo.

É por isso que não vejo a hora de me afastar deste mundinho em estágio terminal, regido pela batuta da hipocrisia, e levar uma vida simples como a poesia que viceja nos arrabaldes. Passei o tempo todo esperando que as coisas melhorassem, bem menos para mim e os meus e mais para os do entorno, mas as auroras foram todas ilusórias, sem a força capaz de tornar o dia alvissareiro.

Neste ocaso das minhas íntimas labaredas, e se eu pudesse hoje de manhã bem cedo, me embrenhava num fundo de campo cercado de bichos, árvores e pouquíssimos seres humanos. Levaria também o radinho de pilhas, fósforos e todos os livros de Rachel de Queiroz. Pouco entendo de felicidade, mas sei que ela está mais nas coisas do que nos homens.

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