Pequenas coisas que custo a entender

Colunistas Geral

Com o visto de permanência expirando, a gente naturalmente vai ficando apoderado de zangas, rabugices e emburramentos. Sem contar que, quando acorda aluado, não tem santo do pau oco que coloque o beiço no lugar de origem. Começa a implicar com uns troços sem fundamento, perde de vez a paciência com a piazada, diz o que não devia, ouve o que não quer e atura o que não precisa. Para completar, ainda acha que o mundo não desvira mais as patinhas de trás. E são detalhes que vão nos tirando do sério. Por exemplo: por que colocar o nome dos filhos de Cristina, Gabriela, Luciana, João Carlos, Rafael, Gilberto, Eduardo se logo ali adiante – e nem precisa esperar o dia do batismo – serão chamados pelos próprios pais de Cris, Gabi, Lu, Joca, Rafa, Giba, Duda? Em sendo certo que a corruptela vingará, já atraca desde logo, do primeiro ao quinto, o diminutivo lá na certidão de nascimento. E aqui cito apenas duas vantagens, para não cansá-los: irá facilitar uma barbaridade a abertura de crediário na Renner, nas Americanas, sem falar que seus pequenos nomes não ocuparão demasiado espaço na coluna social do periódico, que tanta felicidade espalha aos que nela aparecem, podendo ser citados mais de uma vez no mesmo colunário semanal.
Outra realidade que não consigo entender direito: o bacana metido a caçador de javali leva uma tarequeira na bagagem – fora a cachorrada -, incomoda-se com a mulher, que tinha programa bem mais civilizado para fazer no final de semana, arrisca o pelego socado no brejal e, quando dá a sorte de pegar o mamífero, tem ainda que deixá-lo dois dias no tempero, virando o selvagem a cada meia-hora, e o cheiro de alho com vinagre tomando conta da casa e do nasal. No final do assado em papel de alumínio, recebe dos comensais puxa-sacos o tão esperado elogio:
– Ficou tão bom o javali que até juraria que era carne de porco!
Agora vê se o agastado observador não tem razão de perguntar: – Se foi pra passar todo esse trabalhão, por que o cara não assou logo um porco?
Ah, e tem aquele sujeito que viaja quilômetros e gasta o que não tem – nem falo do preço do petróleo – só para tirar uma charmosa lichiguana em Gramado e Canela, e poder mentir aos amigos que viu a Paola de Oliveira com o coxaral de fora comendo fondue de chocolate num barzinho da avenida, enquanto o namorado dela metia um samba maneiro no cavaco. Procedimento menos indecoroso já levou muito semovente a abichar no hospício de Camobi. Se o negócio é aguentar frio e se gripar, sairia bem mais em conta reunir toda a família – a sogra velha e chata, é lógico, puxando a ponta -, e pernoitar no auge do agosto, só de ceroula e carpim, no alto de uma coxilha qualquer lá na Boca da Picada, de preferência em noite de geada grande, para fazer de conta que é neve!
O consolo que me aviva disso tudo é que se a vida não fosse assim, cheia de implicâncias, arutagens e mequetrefes, seria bem mais murrinha e muito menos divertida…

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