Palavra Afiada – Eduardo Vargas

Colunistas

O papel do jornal

Se minha matemática estiver certa, o Jornal A Palavra deste final de semana é a edição número cinco mil. São raros os impressos no mundo que bateram, ininterruptamente, esta marca. Talvez Bidico Simões e sua trupe nem pensavam, lá na década de 50, que iriam tão longe. Se vivos estivessem, talvez não reconheceriam a cidade que sempre foi o objeto de suas notícias.

São Sepé de hoje é muito diferente. Antes era melhor, diriam os mais antigos. Aquela gente que andava sempre a par da vida alheia, como anunciou Afif em seu soneto “Reminiscências”, transformou-se em voz feroz potencializada pelas publicações em redes sociais, este canhão que a modernidade deu para cada vivente ferir o seu malvado favorito. Das discussões nos jogos de futebol até o comportamento do padre na carreata da alvorada da Festa do Divino, tudo vira palco para um agressivo bate-boca virtual.

As notícias, no meio do século passado, eram sobre a vida cotidiana da cidadela. Fulano de tal casou e teve baile muito alinhado no Clube do Comércio, a família do distinto lavoureiro foi passar as férias em Morro dos Conventos, estão desaparecendo galinhas na Vila Santo Antônio, e outras coisas do gênero. Nada com maldade e informação quase sem rancor. Quem lia o jornal ao sol chegava a sentir cheiro de vergamota. Hoje, cinco mil edições depois, o que a cidade produz de informação tem gosto de bile. Eu mesmo, volta e meia, acabo disparando minhas baletas dando corda nesse relógio infeliz que o mundo valoriza. É um pecado que ajudo a cometer.

O papel do jornal não é mais o véu branco que cobre a face da virgem notícia. Aliás, sua função sempre foi contar a história, com o amargor e doçura que os fatos impõem. Não que seja inválido torcer para que as coisas aconteçam na intensidade que estão ocorrendo, mas fico a olhar que é insubstituível a alegria de um povo que se alimenta com a informação da beleza dos casamentos de antanho, da geografia do Morro dos Conventos e até do furto da pequena bagatela dos galinheiros da cidade.

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