A Organização Mundial da Saúde insiste na advertência: beijo no coração causa diabetes e eleva o mau colesterol à altura de São José dos Ausentes. Face ao gravoso comunicado, aviso à sentimental horda de amigos e simpatizantes que, doravante, dispensarei o beijo no coração. Acho, bem do fundo dele, que ainda é cedo pra morrer com os dois ventrículos entupidos de glacê de machimelo e merenguinho. É que esse tipo de chupão vem, usualmente, lambuzado de muito açúcar e afeto, composição letal para quem está até aqui de insulina injetada nas rebarbas do umbigo.
Faço como posso a prevenção. Ao menor sinal da presença do mortífero ósculo baboso, trato de enlonar a minha já dilacerada bomba sanguínea rente às costelas beduínas. Parece que estou vendo a sua carinha de pavor ao ver se aproximar aquele beijo melado, com bafo de leão de circo pobre, mesmo que prenhe dos mais elevados propósitos.
Encontro-me a léguas de distância de dispensar qualquer tipo de beijo, mas, se for endereçado ao coração, peço vênia e salto da carroça. Nem é por mim, mas por ele, bem mais preocupado em cumprir com a sua obrigatória carga horária de bombeamento da seiva rubra do que ser alvo de homenagens afetivas que reputo ultrapassadas, do tempo em que se vendia algodão doce e maçã do amor em frente ao Teatro Serelepe.
Acho melhor a gente combinar o seguinte, para evitar problemas lá adiante: você me manda o beijo, só ele, limpinho, de preferência bem babado e cheirando a drops de melão, e eu dou ao querido o endereço que reputar conveniente, com distribuição parcimoniosa pelo restante do futuroso cadáver.
O meu fígado, por exemplo, de tão engordurado que anda pelo etanol vagabundo, bem que poderia merecer uma pequena deferência egressa da minha pessoa.
Fico imaginando, também, a alegria dos rins em receber um selinho mandado por boca carnuda de amiga separada, com a recomendação de que a duplinha aquática não brigue se a oferta for apenas unitária, face às emoções contidas que azaram os elementos da alma.
Não tenho a menor ideia de quem inventou o tal beijo no coração. Uns dizem que foi o finado Valdick Soriano, fechando a conta na zona de Cacequi, numa putaria bagual que entrou para a história da Capital da Melancia; outros juram ao pé dos santos que foi a saudosa Dercy Gonçalves, quando tomava o terceiro “samba” com Dreher servido pelo Vicente no final duma domingueira botada lá no Bento. Independente de quem praticou tamanho desserviço ao bobo colorado, só podia estar de porre com graspa da Mata Grande. Jamais pensou no trabalhão que aquele laborioso músculo oco terá para se ver livre da carga açucarada e gordurosa que acompanha tão brega expressão de agrado.
Pior que o piegas beijo no coração só aquele cara que tem mania de fazer aspas com os dedinhos quando quer se mostrar irônico. Esse, então, é sócio fundador da LICA (Liga Independente dos Chatos e Abostados).
Filho espúrio do casamento de locutor de FM com heroína de novela mexicana, segundo o português Joaquim Ferreira dos Santos, imperdível cronista das coisas urbanas, o beijo no coração é a balofa demonstração de que a cafonice ainda vive, assim como a Elis e o Elvis.
Bueno, antes de abanar o lenço branco das despedidas e bater em retirada, vai daqui o meu muito obrigado pela distinção da leitura e um beijo comovido no coração de cada um de vocês!
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