Aquela casa de repouso

Colunistas Geral

A pequena sacada do meu apartamento em Santa Maria dá para os fundos de uma casa geriátrica, muito bem cuidada, diga-se de passagem. Não imagino qual seja o nome do residencial que, mediante paga, agasalha as pessoas idosas, mas isso não passa de um detalhe de somenos importância. É um pátio de muro alto, composto de heras, com o piso parecido com grama sintética, muito utilizada hoje nas quadras de futebol sete. Tem vasos com folhagens no entorno do recinto. Há dois bancos fixos de madeira em frente a um arremedo de caramanchão, logo na entrada. Ah, tem também uma ameixeira na lateral do terreno, bem próxima de fazer alguma sombra no ano que vem, dando de barato. Um domingo, por sinal, encontrei na frente desse prédio um amigo de São Sepé que fora, com a mulher e um netinho lindo e esperto, visitar a mãe que se encontrava hospedada naquele lugar, vitimada por Alzheimer ou algo do gênero.

Pois numa tarde dessas, de clima ameno e um sol sem defeito, avistei seis senhoras, três de cada lado, uma de frente pra outra naquela área arborizada. Claro que, pela distância da minha sacada àquele pátio, não se escutava o conteúdo das conversas, mas, pelos gestos raros e comedidos, era uma prosa silenciosa, quase sibilada, apenas o essencialmente necessário. Deveriam trocar, presumo eu, receitas de comidas diferentes, de tachadas de doces portugueses, de compotas de abóbora, de pêssego, de figo, ambrosias requeimadas e talvez algum comentário malfazejo sobre o estrago que a pandemia tinha causado nos mais velhos. Fora a chuva com vento que estava por chegar segundo a mulher que fala sobre o tempo na televisão, e que levaria tudo por diante, principalmente os telhados das casas mais simplórias.

Não sei por quais estradas do mundo aquelas senhoras andaram antes de parar naquele lugar. Mas uma coisa é certa: elas não nasceram na casa de repouso. Estavam ali por razões circunstanciais, que nem vem ao caso agora examinar, pois a história de cada uma é única e não bate com a da outra. Bem lá atrás, em um tempo imemorial, é fácil imaginar que o coraçãozinho acelerado no peito delas parecia que ia sair pela boca quando foram pedidas em namoro. Frequentaram bailes e festas de casamento e formaturas e amaram. Amaram demasiado, febrilmente. Tiveram casas, marido, sonhos e filhos, e cuidaram dos netos até mais que dos filhos. Hoje, aceitam resignadas – aquelas que ainda raciocinam – o fim daquilo que parecia não ter fim.

Assim são as pessoas!

Na infância – e muito mais nos verdores da juventude – são intensas de viço, de invejosa vitalidade, mas, com o passar dos anos, vão ficando ultrapassadas e fenecem. É claro que ninguém gosta de ficar velho, de sair de cena sem ser notado, mas, ainda que a gente não sinta o rufo sucessivo das suas asas, o tempo voa. Mesmo que os espelhos faltem descaradamente com a verdade a cada mirada matutina, é certo que o tempo não consegue colocar uma tranca de ferro nos ponteiros do relógio, tão pontual no horário quanto a passagem da areia fina pela garganta da ampulheta durante os anos que se sucedem.

Ficam das pessoas o nome de batismo e uma esmaecida fisionomia na memória dos outros, sem contar retratos velhos que os pósteros irão encontrar na última gaveta dos sobrados abandonados, além de uma saudade doce e emotiva. A mesma lembrança delicada que algum familiar mais chegado vai guardar para sempre daquelas senhoras da casa de repouso…

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