Como pode um simples pedaço de pau mexer tanto com o emocional da pessoa, por mais embrutecida de sentimentos que ela possa ser? Na verdade, não seria um pedaço de pau qualquer, mas um mosquetão, muito parecido com o verdadeiro, aquele que aparecia nas mãos dos matadores de índios nos filmes americanos rodados no Cine Teatro Alvorada, semelhante a um fuzil, mas com cano menor. Tem até mira e numeração na coronha o exemplar que conheci dia desses, em perfeito estado de conservação, feitio do carpinteiro Joaquim Leal, com a prestimosa ajuda do seu filho Assis. Pois esta era a arma usada pelos integrantes do Batalhão Infantil Duque de Caxias, estudantes do Colégio Beata Júlia da Irmã Irinéia e de outras almas tão santas quanto esquecidas. Entre os componentes da tropa figurava meu pai, um toco de gente, como mostra a fotografia que acompanha o passeio pelo tempo daquele arremedo de armamento bélico. O regimento de militares mirins foi organizado, entre 1939 e 1940, pelo Tenente Castilhos, responsável pela Junta de Alistamento Militar, e que recém havia chegado à cidade. O dirigente guerreiro está bem na ponta do velho retrato, mantendo distância regulamentar da diretora da escola, professora Nilza Kieling, a Dija. Atrás dela, aparece a mestra Ricarda de Bem, uma mocinha vinda especialmente de Cachoeira do Sul para derramar as luzes do conhecimento sobre os cérebros virgens dos infantes.
Na outra extremidade, à esquerda, a menina Ruth Pacheco. Ao alto, observando toda aquela formação militar pronta para o confronto imaginário, a Sra. Anita Pires e o filho Sidney.
Disse o Afif sobre o comandante daquele pelotão de miúdos, em seu “Diga-se de Passagem”, incompleto livro de memórias: “o tenente foi o primeiro militar graduado que conheci. Ereto e tonitroante, grisalho e cinquentão, nunca mais pude dissociá-lo da idéia de patriotismo. Seus discursos inflamados sobre a Bandeira Nacional, nas datas cívicas, me enchiam de entusiasmo e temor. Sim, eu temia que um distraído qualquer conservasse o chapéu na cabeça ou as mãos nos bolsos ao passar pela Bandeira, ou que um bêbado irresponsável babasse na Bandeira, e então tudo estaria perdido: o tenente nos convocaria para a guerra e iríamos morrer em defesa do Símbolo Sagrado”.
O uniforme do batalhão era exatamente o mesmo usado pelos alunos da escola primária das freiras: brim cáqui e casquete. Só o Leco era diferente dos colegas de farda. Tinha quepe. Em razão do adereço extravagante e unipessoal, foi objeto de doentia e confessada inveja.
Hoje, todos aqueles bravos soldadinhos que aparecem perfilados na fotografia tiram guarda lá no céu, em guaritas de algodão perfumadas de alfazema. Ao que se tem notícia, nenhum deles aqui na terra virou bandido ou saqueador de dinheiro público. Alguns, é bem verdade, perderam a última batalha para a miséria e o abandono, sem que a derrota, no entanto, tenha lhes retirado o brilho e a altivez do combate. Amaram a nossa São Sepé como se fosse o melhor pedaço do Brasil. Certamente, porque passou a morar debaixo daquela farda de brim cáqui o legado de civismo do Tenente Castilhos. Uma herança de honra e amor à pátria, que os mais novos só conhecem por ouvir dizer a cada discurso descartável de 07 de setembro.
Das queridas professoras constantes na imagem amarelada do papel, ninguém mais respira por este plano. Deveriam virar nome de rua, de colégio, de alguma praça bem cuidada, pelo muito que fizeram pela educação de gerações e gerações de conterrâneos nossos. Mas até se compreende que não seja assim: quem precisa de voto para seguir na política deve mirar o número de eleitores da família do morto recebedor da láurea. Sobre a biografia do homenageado, bom, isso a gente vê depois…
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