Um aniversário que eu gostaria que fosse diferente

Ass. Imp. Pref. Colunistas Geral São Sepé

O Luís Carlos, um moço visionário, cheio de vida, de boas intenções, e que, justamente por isso, ainda teima em manter respirando sem aparelhos um jornal bem interiorano, me mandou uma mensagem pelo whatsapp para que eu falasse alguma coisa sobre o aniversário de São Sepé, com direito a ocupar meia página da edição especial. Por achar exagerado o espaço destinado, vou assestar meus garranchos para aquela cidadezinha que eu gostaria que fosse acontecida, que se realizasse em benefício exclusivo de quem nela mora. Aquela mesma que enfeitiçou minha mãe e a fez nunca mais querer voltar para Cachoeira do Sul, deixando para trás faixas de rainha e pretendentes ao altar.

No meu lugarejo sonhado, cada um será convidado a construir seu próprio jardim, mesmo que as plantas vistam colorido débil, pois o extrato que sai da terra vale mais que o brilho vindo do céu. Vem dela o cheiro da chuva que tanto me ataranta. É um aroma desigual, denunciado pelas primeiras folhas que se despencam dos ipês ao longe, entrando nas narinas como um aríete, fustigando muralhas e olvidadas canções. Não peçam para os entendidos de faro e lonjura decifrar esse aroma sob a luz da ciência infusa. O quanto da lua que nele vive é coisa de que a gente deve fazer pouco caso.

As calçadas da minha cidadezinha imaginada serão cuidadas tanto quanto se protege um filho das esquinas escuras. E as pessoas terão olhos mais anímicos para o arraial que se enflora ao cair de cada tarde, e não vão olhar mais para o passado com a vista da lágrima. Afinal, os anos já singrados servem apenas para ilustrar calendários e recontar os mortos. Dos prefeitos se exigirá, somente, que a mantenham limpa e iluminada. Está provado que a força deles, por mais vigorosa que seja, é incapaz de mudar a rota dos nossos ventos, e a vida não vai até a prefeitura pedir alvará para seguir em frente.

Há muito esta aniversariante me conhece e me abriga. Desde o berço é assim, e assim será até a cova. Sua extensão é a mesma até chegar a um beijo perfumado e longo, e é para lá que transmigro quando quero me recriar depois das desilusões. A repetição dos dias me afasta do espelho mais próximo. Mas logo ali adiante me deito sereno neste cérebro que anda meio desbotado pela cantilena das estações. Vês, meu adorado bêbado sonâmbulo, que a cidade acaba não te dizendo nenhuma verdade. Observas, minha doce aurora, que ninguém é responsável pela acidez dos lírios, e não se morre por completo sob o cobertor dos arrebóis.

Em absoluto me tenhas mais covarde, quando a face desta cidade procurar o avesso do que sou, pois eu jamais serei suficientemente tua enquanto me disseres sempre sim.

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