Essa tal de Lei Seca foi a maior praga já inventada para liquidar com os seculares hábitos hidráulicos da gente. Eu até tinha rascunhado uma minuta de habeas corpus preventivo, mas diante dos últimos julgados, desisti de encostar os papéis no Fórum. Vou me acostumar ao duradouro estio, e concordar com o missioneiro Jaime Caetano Braun, quando disse, do alto da sua sabedoria, que até touro se ajoelha.
Sabe aquela cachacinha com butiá, sorvida bem na lenta com a parceria lá no boteco, nas domingueiras matinais? Pode esquecer, caso tenha que ir embora de auto, salvo se for de praça.
A estimada taça de vinho, então, que te fazia um costado de fundamento no almoço um feixe de anos? Foi sucesso, amigo velho, pois o bafão, agora, o condenará ao quinto dos infernos. O melhor mesmo que tens a fazer é ceder o santo vidro ao netinho para experimento da cultura do feijão embebido no chumaço de algodão nas aulas de ciências.
Todo excesso não vale a boia que come. Por exemplo, tenho um veterano companheiro de pesca, recém juntado com uma moça airosa e de tenra idade, que anda tomando viagra como quem come amendoim vendo jogo do seu time na segunda divisão. Já falei para ele: isso não vai dar boa coisa! Ou o sujeito segura na máquina o material bélico, sem fazer uso abusivo do armamento químico, ou dá o ladinho, que a fila anda, nem precisa empurrar.
Quem dirige bêbado, e ainda por cima provoca acidente, tem mesmo é que ferrar, ser preso, algemado e varar uma boa temporada em contato com a grade fria das masmorras bancadas pelo Estado (leia-se nós!). Agora, multar em quase três mil reais e, ainda por cima, suspender a carteira de motorista por doze meses de quem apenas passou um lava-jato de chope na cárie do canino-mestre, ah, isso não é razoável e, muito menos, proporcional. Se bem que uma coisa é inegável: o efeito pedagógico surtiu o efeito desejado pelo legislador, até porque a sanção administrativa é mais gravosa que a penal. As pessoas pensam várias vezes antes de pegar a boleia e sair dirigindo por aí, pois sempre haverá a possibilidade de encontrarem uma barreira fiscalizatória pela frente, e aí já era.
Aliás, na medida em que o efeito pedagógico funcionou uma beleza no caso dos caras dirigindo bêbados, bem que poderia ser aplicado também um corretivo mais mussiço destinado aos estupradores, latrocidas e assassinos em série, pessoas que de humanos não têm nada (afora, claro, o latifúndio de direitos…), pois eles não nutrem a menor simpatia ou piedade pela vida dos outros, e a tiram como quem troca de camisa depois do banho matinal…
Bom, mas eu fiz todo esse rodeio para dizer que não é fácil o penitente largar do trago assim de supetão, e faço prova do afirmado com dois acontecidos envolvendo pessoas que, de tão boas, já partiram para o céu iluminado de Aldebarã. O primeiro, foi numa pescaria lá no Dioguinho Elwanger, há muito tempo atrás. Era aquele bolor, um mar de álcool inundando o acampamento, em qualquer pelo e quantia. O saudoso Basileu Vargas – pai do nosso Prefeito João Luiz – e que eu tive o orgulho de entrevistar para o Projeto Memória Viva, estava sentado num cepo de três pernas, arrumando as linhas, recuado do vasilhame havia uns dois meses, por recomendação médica, só assistindo o início dos trabalhos daquela corja inveterada de gambás. A “umidade” que ele mais apreciava era cachaça com refrigerante (geralmente Minuano Limão). Lá pelas quebradas, o meu primo Nassif Brum, o Tiau, também conhecido por Até Logo, mimoso a mais não poder, perguntou ao estimado pracinha:
- Seu Basileu, me diga uma coisa, o senhor não tem saudade da rama?
E o velho, mirando o açude, olhar distante, com aquela sua voz doce e mansa:
- Bah, meu filho, se tenho. Tenho muita. Semana passada cheguei a sonhar que estava bebendo uma cana com minuano num balde de querosene…
De outra feita, o Paulo Darci Pontes Brum, o Paulinho do Sivo, como era carinhosamente chamado, um cozinheiro de mão cheia e amigo capa de revista, bebeu de um só golpe uma gelada lá no Bar do Deluy, recém-chegado de uma estiagem de ano e meio, também por sentença de facultativo. Consultado, à sombra da magnólia, sobre as impressões acerca do venerável líquido fermentado que invadira suas entranhas pela cavidade bucal, o Paulinho respondeu com os olhos marejados e pensamento perdido na eternidade, não sem antes pedir a primeira saideira:
– Foi Deus que entrou pra dentro de mim!!!
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