Escondendo o jogo

Colunistas Geral São Sepé

Uma senhora de meia idade mandou dizer, por interposta pessoa de nossas mútuas relações, que custa a entender o que eu escrevo. Acha que eu complico os textos com palavras embaraçosas, inacessíveis. É evidente que passei a me preocupar. Não com ela, que faz o que bem entender com o seu precioso tempo, mas comigo. Sempre detestei a utilização de palavras rebuscadas, inteligíveis, e não seria agora, já dobrando todos os cabos da boa esperança, que daria o trabalho da cata de um pesado dicionário a quem eventualmente possa ler o que publico no jornal A Palavra ou num que outro livro de edição independente.
Tentarei, de hoje em diante, ser simples e claro, como a água de arroio que se bebe na concha de mão. Os homens deveriam ser transparentes, feitos à semelhança de uma cortina de linho quando é ultrapassada pela luz matinal. Mas não são! Quem é que gosta de aparecer por inteiro? Quando isso acontece, geralmente um amargor enorme se apodera do mostrado. As vísceras, ao serem expostas, não costumam exalar necessariamente odores aromáticos. O enrosco é que ainda não inventaram um cérebro humano imune às tentações mundanas, mesmo aquelas restritas apenas à órbita do pensamento.
Dou exemplo: eu poderia perfeitamente amar mais de uma mulher ao mesmo tempo. Qual é o problema? Os meus patrícios beduínos, por exemplo, em obediência ao que diz o sagrado Alcorão, podem ter até quatro esposas, desde que as tratem de forma igualitária, sem qualquer distinção. Acontece que a sociedade, que nos acorda todos os dias batendo o tambor do moralismo putrefato, me apontaria os vários dedos da mão direita e me diria, na laje: és um pervertido, um galinha! E eu seria condenado, sete a zero, regime integralmente fechado, por ter sentimentos em demasia.
Não existe ninguém honesto. O que existe, isto sim, é a momentânea ausência de oportunidade para se corromper. Por acaso, não é esta a sentença social que a gente escuta desde que abre os olhos na maternidade? Mas, se eu disser que não me vendo, vão achar que a minha loucura transbordou da calota craniana, e que sou mais um canalha travestido de honorável.
Mas a ladainha dos politicamente corretos não para por aí. Uma vez, ainda no século pretérito, perdi um grande amor só porque já era chegado a uma viola, gostava da noite, de trago, da boemia, essas coisas todas que não recomendam aos olhos da patrulha de vestais que nos conduz. Segundo a avó da menina, eu, para marginal completo, só faltava a tatuagem da caveira varada por duas tíbias acima do coração. E é assim até hoje. Experimenta chegar com um violão no braço na casa da namorada, e verás a repentina mudança de penteado do sogro velho…
Então, distinta leitora, se eu te disser que trago no peito paixões capazes de divisão, e que todo o dinheiro do mundo, incluindo a caixa-forte do Tio Patinhas, ainda é pouco para me comprar, vê se não ri dos meus propósitos, por favor!

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