O FLAUTISTA DA SINALEIRA

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Hoje, 26 de fevereiro, a minha irmã Isabel estaria comemorando aniversário, caso não tivesse morrido tão cedo, no já distante 2016. Faria nem que fosse um almoço bem simples lá na casa dela, juntando a família e a cachorrada que tanto amava. Um que outro gato também é certo que apareceria para a confraternização.

A Bel gostava de receber as pessoas nas datas festivas, e não sabia o que fazer para agradá-las. Era uma mimosa, uma irmã que não podia ser melhor. Penso e rezo por ela todos os dias, e peço que nos proteja na sua infinita bondade.

Me acordei pensando na aniversariante. Liguei para mãe e ela me disse que à tarde iria com a Lulu e a Isaura ao cemitério para rezar junto ao túmulo da filha. Nem quis encompridar o assunto, pois conheço a dona Ila e sei da tristeza que sempre será o dia 26 de fevereiro enquanto ela viver.

Estou em Porto Alegre. Moro na Cidade Baixa, e na esquina da Loureiro da Silva com a Lima e Silva tem uma sinaleira, onde um flautista começou a tocar lá pelas nove da manhã deste domingo. Parou agora há pouco, passado das oito da noite.

Fiquei cuidando ele da janela do meu apartamento, entre os intervalos dos jogos de futebol na televisão. Quando a sinaleira fechava o cara saía debaixo da aba de um hotel desativado, com a sua flauta transversal já na embocadura dos lábios. Fazia um trecho de música clássica, à espera de que o vidro de algum carro baixasse e lhe fosse alcançado qualquer tipo de dinheiro, do papel à moeda.

Nas vezes em que fiquei observando o desempenho do flautista, notei que ele não repetia melodia. E era tudo muito rápido, pois, além de esperar pelo ofertório, tinha que se defender dos veículos quando abria o sinal, pois todos com muita pressa de ir adiante em busca do destino final, seja ele qual fosse.

O flautista da sinaleira deve ter em torno de 30 anos, e vê-se ser íntimo do instrumento que escolheu para tocar. É um rapaz magro, de boné colorado, bermuda surrada e trazendo uma pequena mochila nas costas. Não errou uma nota sequer, mesmo com a pressa dos necessitados.

Imagino que, quando mais jovem, tenha frequentado algum conservatório por aí, pois não é possível que tenha aprendido tudo o que sabe apenas de ouvido. Fiquei imaginando as dificuldades pelas quais ainda passa, que o transformaram de promessa musical a artista de rua.

A Bel e ele se parecem muito em seus enovelados destinos. Seres despojados de vaidade, sem qualquer resquício de soberba ou arrogância. Vieram a este mundo com o propósito maior de espalhar compaixão por aí, cada qual a seu modo.

Ela, na sua sensibilidade (sim, pessoas sensíveis existem…), tinha seu coração turbinado por gente pobre e animais desamparados, e o outro segue distribuindo notas musicais pelas sinaleiras, para tornar mais humanas as esquinas de ferro e cimento aqui na Capital.

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