VIDINHA ENCARDIDA

Colunistas Geral

A estreiteza da relação que há entre o homem e o rio é tão real quanto a existência de um e outro. No começo, são límpidos, cristalinos, dotados de uma pureza bucólica. Na medida em que evoluem, vão se impregnando de substâncias que adulteram o conteúdo poético inicial. Depois, para o rio tudo é esgoto, lama, mar. Para o homem não sobra muito além do sofrimento, da desilusão, da melancolia. São estágios irreversíveis, signos de um mesmo princípio e ocaso.
Pensando nessa triste verdade é que me veio à lembrança o que o mundo te aprontou, meu velho e tão querido companheiro Toninho Boca de Jundiá, depois que os anos converteram os calendários em meras paisagens rotas.
Éramos grudados seres meninos de um tempo que os mais antigos chamam de mocidade. Cada qual com pequenos projetos de vida na mente e um boletim sujo, de notas vermelhas, no bolso. Mas tudo isso foi adiante apressado e, como as boates no Bento, só deixou saudade a estes frustrados sonhadores do interior. Ainda assim, eu não queria ter-te encontrado naquele estado miserável de dar dó. Até pensava que não moravas mais por aqui. Afinal, quando os filhos crescem e trocam de estrada real, a gente até ajuda a carregar as tralhas e acaba se esquecendo do caminho de regresso.
Tenho que confessar que andava meio deslembrado da nossa amizade, embora te incluísse, vez que outra, nas minhas rezas sazonais. Semana passada, ao me deparar contigo, depois de anos e anos, na calçada do Fórum, bêbado àquela hora da manhã, sem dentes, camisa pela metade, parecendo feito de cera de vela, tive vontade de sentar junto ao cordão da rua e chorar. Chorar por ti, meu companheiro Toninho Boca de Jundiá, chorar por nós.
O que foi feito dos teus desejos? Eram tão planejados… Para onde foram? Sei lá… De repente ainda emprestam uma tênue claridade ao mofo desta vidinha encardida. As tuas fantasias, pelo jeito, foram junto com o último carnaval que aconteceu no Comércio, confundidas com o resto de serpentina que o pierrô recolheu ao bolso, como lembrança da festa.
Mas um consolo eu tenho para ti, se é que tu precisas disso. Logo ali adiante nos tornaremos semelhantes quando o sino da igreja da matriz bater fragmentado, chamando pelo sinal de ir embora. Um coral de vozes roucas fará o fundo musical no momento em que houver a ruptura da hora. E então seremos iguais, completamente iguais, com as tantas diferenças nossas, meu velho companheiro Toninho Boca de Jundiá…

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