Para os professores de botânica e estudiosos da matéria, ela seria da família das dicotiledôneas, da ordem das ranales, procedente das terras boreais, com folhas alternas. As flores, grandes, alvas e perfumadas, são muito belas e estimadas pelos transeuntes dos países temperados.
Pois aquela magnólia, nascida em tempos imemoriais frente à Praça das Mercês, do outro lado do poço, sabe mais sobre nós e nossos pais do que a memória mais preciosa de que alguém pudesse dispor. Tanto faz se foi plantada ou veio a furo por conta, porque o resultado, qualquer que seja ele, irá para a mesma cavidade donde ela nasceu. Já fez sombra e foi refúgio para músicos, borrachos, loucos de dar com pau e espertos de todo o gênero, o que não tem pouco por aí, diga-se a bem da verdade.
Até agora, por exemplo, a magnólia anda procurando entender por que o Peter e a Consuelo vinham de tão longe carnavalizar em São Sepé, deixando para trás opções bem mais interessantes. Os amigos ficavam na dúvida: a relevância do motivo que os trazia da Europa para cá era apenas o prazer de passar alguns dias embaixo daquele lenho, tomando cerveja morna e ouvindo conversa de bêbado descornado, ou estavam em busca de experiências exóticas a embasar um futuro trabalho científico sobre as esquisitas relações interpessoais entre seres multifacetados?
Também foi testemunha presencial e sentiu na carne um dos primeiros protestos ecológicos civilizados de que se tem notícia no universo terreno. Foi quando o Dr. Capuano nela subiu ao ficar sabendo por alto que a árvore iria ser derrubada. E quem diz que o homem desce de lá! Foi preciso a intervenção da tia Lília e de muita gente graúda no cenário boêmio da urbe para demovê-lo da ideia de lá permanecer indefinidamente, em forçada greve de sede. Só desceu do galho mestre quando teve a garantia do podador Menoti de que a operação não passaria de uma frugal retirada das ervas de bicho que estavam esgoelando o frondoso vegetal.
Hoje, a impressão que eu tenho quando passo por lá é que aquela magnólia anda com cara de choro, jeitão de árvore cuidando tapera. Talvez com saudade do velho Isidoro, do Delui, do Marzinho, daquele burburinho de hotel, malas pelo chão, camareiras agoniadas, gente chegando, outros tantos indo embora pra nunca mais, num permanente circular de espíritos fraternos em busca de um pedaço de felicidade.
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