Gosto dos meus amigos bem do jeito que eles se apresentam aos olhos dos outros, cheios de defeitos, de multiformes vícios redibitórios. Geniosos, uns pegam de arranque logo na primeira provocação. Os da paz – a maioria deles -, somente se for no tranco, e ainda é preciso um empurrãozinho no lançante.
Tanto podem ser elogiadas referências éticas ou motivo de renitentes condutas arrevesadas. Não importa o caudal de imperfeições. Só assim ficam parecidos comigo. Preocupo-me quando estão doentes, quando vão mal de negócios, perdem o emprego, quando os filhos passam a lhes roubar o sono, pois a vida dos meus amigos é um pouco a mesma minha.
Os meus amigos, sem exceção, têm mais tempo de estrada percorrida do que por andar. Por isso, deixaram de dar bola para os detalhes, as miudezas do espírito. Importa-lhes somente aquilo que se aproxima do essencialmente humano. Que nem os maquinistas de locomotivas atrasadas, surgem de repente, e somem quando menos a gente espera. Os que permanecem em roda da pista substituem os que foram embora do baile, como se as partidas e regressos copiassem a viagem sonolenta de uma roda-gigante, trocando de passageiro a cada volta completada.
Abrigos virginais e quebradiços, com cachoeiras de bondade inundando o coração, os meus amigos riem muito, principalmente dos próprios erros, e desistem de tudo, menos de tentar uma nesga de felicidade nesta vidinha que anda bem encrencada.
Alguns eu avisto com maior frequência, pela circunstância da proximidade citadina. É com estes, os bem chegados, que vou construindo uma emotiva história de amizade, residente no róseo compartimento das minhas mais adocicadas lembranças. Amigos tão puros quanto o canto do garnisé peito de gralha anunciando mais um dia que se achega no véu da estrela d’alva.
Outros eu os vejo com raridade, em encontros proporcionados mais pelo acaso do que pelas esquinas. Como alguns se mostram aborrecidos, irritadiços! Assalta-me a possibilidade de que o casamento duradouro e rotineiro tenha contribuído com lamentável eficiência para o descompasso das coisas do espírito. Para mais de um, no entanto, a separação veio em boa hora. O cenho anda menos carregado. Mostram-se generosos nas afeições e legados. É um tempo de lambuzo com batons em bocas diferentes, comidas fartas, noites longas, romances curtos, e gastos maiores com eplocler e engov do que com leite desnatado.
Mas, enfim, todos os meus amigos são dotados de um sentido extremado do que é a vida, com suas margens e remansos, vergas e pontilhões. Vitrais de cores matizadas. Se algum vaso se partiu pelo caminho, a culpa foi exclusivamente minha, pois não tive a dignidade de juntar os cacos da desavença com a cola do perdão.
Bêbados afáveis, loucos de dormir maneados, músicos sonhadores, moradores em estéticas casas ou em algum grotão ribeirinho, os meus amigos são interessantes personagens com dons terapêuticos, e me fazem um bem que só eu sei.
Pena que cada vez que morre um amigo, eu também fique para morrer…
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