A advocacia não tava dando nem pro fumo naquela época, apesar de contarmos com a experiente ascendência profissional paterna, e aí o Pongo e eu resolvemos diversificar as fontes de riqueza em busca de novos horizontes patrimoniais: alugamos a sauna construída pelo professor Neri Bueno Lopes, já então falecido. Lembro bem que pagávamos um salário mínimo à guisa de locativo mensal para a viúva Ivone Cassol, amiga dos nossos pais e que também fora nossa professora de inglês no Tiaraju (ou no Mário Deluy, agora não tenho bem certeza!).
O estabelecimento comercial só funcionava aos sábados, e a clientela era exclusivamente masculina. Conosco não tinha esse negócio de banho turco entreverado, em respeito à preservação dos bons costumes da imaculada e austera família sepeense. O quadro de funcionários se resumia ao saudoso Garrincha, que pertencia aos móveis e utensílios e permaneceu por lá após a morte do proprietário. Ficara de responsável pelo conserto diário do velho encanamento, e tinha mais um guri foguista, uma simpatia em pessoa, que nunca mais vi. De vez em quando, a gente sublocava o brique para umas festas privadas, com a condição de que eu, o único solteiro da firma, também pudesse participar do frejo. O que testemunhei da meia-noite pro dia só falo em juízo, e na presença do primo Érico, o meu advogado constituído para assuntos melindrosos.
Os clientes da sauna eram praticamente os mesmos: o Souza, pai do Luís Carlos, diretor deste semanário que abriga os meus garranchos, mais o patrício Ibrahim, que morreu vindo de Santa Maria, quando bateu um Passat recém comprado numa árvore quase em frente àquele motel à esquerda de quem vai. Era muito querido o Ibrahim, e até hoje as pessoas mais velhas lembram-se dele com carinho e saudade. Também compareciam o Pedrinho Ineu, o Augusto Motta, o Alcir Bolzan e a coisa ficava nisso. Ah, estava me esquecendo do seu Adão Oliveira, um senhor de óculos, que tinha um comércio quase em frente à casa dos meus amados padrinhos Luiz Fernando e Lígia, pais do Pongo.
Pois num final de tarde, com a clientela reduzida a pó, nós tratamos de esvaziar a piscina de pedra, que ficava nos fundos da “empresa”, pra dar uma limpeza geral. A água vinha direto da Fonte da Bica, pelo que era renovada meio seguido, pois sem custo algum. O Souza, sem saber da operação hídrica em curso, chegou cansado do jornal, tirou a roupa depressa, calçou o chinelinho de dedo e se mandou pra sauna quente. Demorou uns vinte minutos e se veio que nem um Maverick V8 na reta do Tabuleiro rumo ao piscinão, pro costumeiro “peixinho”.
Bateu em tapera o filho mimoso da Dona Carolina! Não deu nem tempo pra avisar que o tanque estava seco, sem ninguém em casa. Depois de um gemido nada sensual, tiramos a muito custo o homem do reservatório, com a caixa do peitoral toda lacranada. Parecia que tinham passado um ancinho afiado no esmeril no baixo ventre em direção ao queixal.
Já refeito do infortúnio aquático, e no sorvo medicamentoso da cerveja mais gelada do estabelecimento, cedida gratuitamente pelos donos a título de indenização pelos danos materiais e morais sofridos, confessou o Souza, com uma certa dificuldade na fala, que o estrago corporal somente não foi maior porque, quando ele viu que o depósito estava vazio, tratou de alivianar o peso do corpo em pleno ar, que nem fazia quando voava dum canto ao outro das goleiras de madeira lá no campo do Bento, na tentativa de segurar os petardos do Dalton Faria.
Gastamos todo o nosso estoque de merthiolate vermelho no peito descarnado do meu arqueiro predileto, e o Souza deve ter partido vários anos depois para o Céu dos Justos na dúvida se o Garrincha, adversário no futebol dos domingos, esvaziou a piscina de propósito…
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