Palavra Afiada – Eduardo Vargas

Colunistas

OVOS FRITOS, NUNCA MAISOVOS FRITOS, NUNCA MAIS
Nesses tempos de ódios e amores pela Operação Lava Jato, lembrei de uma história da vida cotidiana. Passava da hora do jantar e observei que a Vivi estava inquieta com os movimentos da rua. Era 15 de março de 2015 e Porto Alegre organizava aquela que seria lembrada como a primeira grande passeata pró-impeachment do Brasil desde a queda de Collor, em 1992. Embora soubesse que em eventos como esse os manifestantes ditos “independentes” são sempre massa de manobra dos organizadores, a Vivi recrutou a Goga e foi bater panela lá pela Esquina Democrática. Para ser mais preciso: surraram a simpática frigideira que minha sogra nos deu. Na saída, lembro de ter usado a expressão “cada paulada na panela é uma martelada na nossa cabeça”. Não foi suficiente. Ela, a Goga e outros cem mil portoalegrenses indignados com os rumos que o Brasil estava tomando resolveram forçar o Congresso Nacional a pautar o processo de impedimento de Dilma Rousseff. Batiam com colheres de pau no dorso do utensílio e a cada paulada nascia um pequeno e irreversível cacuruto no instrumento. O resto da novela, todos vocês já sabem. Volto a este assunto pois minha contrariedade àquela onda de revolta e ódio que nasceu há três anos ainda impacta meu destino. Não por Dilma, que caiu por falta de ginga política, nem por Temer, que assumiu por escolha do próprio PT, nem por Lula, cuja culpa no cartório nem entro no mérito, mesmo sendo inegável que o pessoal da toga correu contra o tempo para que ele não seja candidato e ganhe as eleições deste ano. Sempre lembro aquela marcha pois de 2015 para cá, minha vida mudou. Antes, todas as manhãs, eu preparava ovos fritos com o capricho de quem, além da capacidade culinária, tem à sua disposição o equipamento certo para não perder o ponto do cozimento da clara e, principalmente, da gema. Agora, com o fundo irregular da frigideira, ou queimo a clara, ou a gema fica crua. Advogada que estuda o sistema jurídico brasileiro desde que saiu da faculdade, a Vivi nunca me disse, mas deve ter se arrependido de sua participação naquele movimento que foi o estopim do impeachment da presidente eleita. Eu, penitente, não sei onde estava com a cabeça: apaixonado por ovos fritos, deveria ter preservado deste golpe a simpática frigideira que a minha sogra nos deu.

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