Uma história de volta para casa

Colunistas Geral

O meu pai Giuseppe estava separado da mamma Antonella desde aquele inverno nevoso de 2006. Hoje, saber quem errou mais ou perdoou menos é algo totalmente insignificante e não conta pra nada. Se o varão saiu de casa por conta própria ou foi “convidado” pelos filhos a se retirar tanto faz como tanto fez na atual conjuntura das indiferenças sentimentais.
A octogenária com Alzheimer bem avançado é surpreendida com o retorno do ex-marido, vitimado por um AVC, e que não tem como seguir morando solitário. Ela o achou muito velho e doente. Com a parte minimamente consciente que ainda lhe resta do cérebro, mostra-se assustada, pois não conseguirá cuidá-lo sozinha. Acredita que ainda tem essa obrigação moral, pois Giuseppe é o pais dos seus filhos, sem contar que foram mais de quatro décadas de um convívio que o tempo foi incapaz de apagar dos calendários da memória. Alguém da vizinhança disse à minha mãe, de fonte segura, que Giuseppe arranjara uma outra mulher, e isso até que seria um impeditivo para que voltasse à casa que um dia também foi dele, mas ela aprendeu que o perdão ensinado nas missas dominicais lá no distrito de Santa Justina foi feito para se usar sem qualquer parcimônia.
De sua parte, ele não queria ter saído da nossa casa, mas também agora não gostaria de voltar. Já estava acostumado com a vida de outro jeito na mansarda de alvenaria com vista para a praça central. Havia naquele homem judiado pelo sol inclemente das videiras uma mistura de orgulho e vergonha a ser superada, mas as condições físicas e econômicas impediam a utilização de outras opções mais dignas. Depois do AVC isquêmico e de uma embolia, com dores pelo corpo e lanhos vindos de uma alma embrutecida pelo rigor das invernias, o regresso era a única alternativa, pois não havia mais como viver sozinho na velha casa. Aos poucos a família foi se acostumando com o novo cenário. Os parentes que sobraram vieram se chegando para as visitas protocolares, com votos um tanto irônicos de muita saúde e vida longa.
Era perceptível em todos, porém, aquele ar de estranhamento com a inusitada situação, uma reconciliação forçada pelas circunstâncias. Pela velhice adoentada, para ser mais objetivo
Acordo no meio da noite e começo a pensar como será o amanhã e o depois dos meus pais. Sou o filho mais velho, e talvez por isso incrimino-me por não ter em relação a eles um gesto mais efetivo de aproximação, ainda que more longe. Mas prometo para mim mesmo que continuarei tentando decifrar o silêncio dos olhares agora distantes e vazios de Giuseppe e Antonella. E quando a noite chegar para sempre, irei repartir com as minhas filhas e o neto aquele tempo em que a gente amava até o que não tinha, e acreditar que a saudade será a forma mais humana da nossa história voltar para casa…

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