OS BAILES DO SUÉTER

Colunistas Geral

Quando eu era um jovem até certo ponto interessante, com farta melena e sobrados dentes, as moças da minha época – somente aquelas que se prezavam, que fique bem claro – tricotavam blusões de lã para os seus novos namorados. Era a maior demonstração de querer bem que se podia realizar aos olhos da formosa companhia. Tricotar blusão para o recém-amado significava a declaração de um sentimento infindo, capaz de mandar sem pena para o ralo dos meios-fios a mais cavoucada barreira que pudesse surgir no transcurso da relação idílica.

            Fazia-se o “ponto pavão”, o “trança”, o “oito” e outros tantos difíceis para os amores maiores. Para as paixões de eflúvios brandos, bastava uma manta sem muito floreio, tecida com ares de enfado. E havia nos julhos, mês em que o frio se mostrava mais afeito a observar garboso o desfile feminino, um baile inesquecível no grande clube da minha cidade. Naquelas noites invernais, as pessoas davam uma folga para as minúcias da vida alheia e passavam a noite falando de pulôveres delicados e suéteres talhados à mão de ourives. Recebiam troféus e palmas, que para elas valia mais que a maior das loterias ou que um Nobel de Literatura.

            Pois hoje, depois da metamorfose que transformou lucidez em cólera, nem bem a gaita fica pronta para um e já tem outro se abancando no sofá da sala. Sei que tinha uma lenda avisando que, aprontado o blusão, o amor ia embora levado pela mansidão dos passos, mas o estudo não é científico e requer a imediata inquirição dos doutos na arte do tricoteio.

            Muitos invernos regressaram de casaquinho de malha ao salão do Clube do Comércio, que continua com o mesmo hálito, a mesma geografia, tão íntima como a casa dos nossos pais. Foi ali, cercado de amigos e envolto pelo cheiro único que exala dos bailes, que palmilhei o trecho mais florido de minha estrada. Aquele a que eu daria o que fosse preciso para tê-lo de novo, nem que fosse pelo prazo de uma quaresma. A porção de menino, que ainda mora em algum escaninho desta caixa torácica, ingressa sempre com o coração na mão quando passa pela porta principal daquele clube, hoje uma esmaecida folha exposta a um outono sem abrigo – mas que ainda teima em colorir, com os sonhos que ainda pulsam, o bolor deste cotidiano.

            O tempo teceu e desteceu blusões e amores indizíveis. Muitos deles transmigraram para outros povoados, e alguns ficaram segregados até agora a um enredo imaginável. Eu é que continuo aqui, emaranhado em fios que suturam as minhas horas, e à mercê da vida, que sabe como ninguém enovelar destinos.

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