O PIXIXÊ

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Tem uma música do Mano Lima que faz alusão ao pixixê. Paulo Sant’Ana, na coluna que tinha na penúltima página de ZH – e que guardei pela curiosidade da abordagem -, empregou o termo uma vez, falando em gaveta do pixixê. O grande escritor serrano Erico Verissimo refere-se a essa peça do mobiliário de outrora no segundo volume do Solo de Clarineta, seu livro de memórias inacabado. Quanto ao primeiro volume, ninguém poderia se dar ao luxo de morrer sem antes ler aquela obra simplesmente maravilhosa do pai de Ana Terra e de Rodrigo Cambará. Mas voltando ao assunto, tal palavra é pouquíssimo usada nos dias atuais, certamente por ser uma expressão bem remota, da época em que os homens casavam com as mulheres…
Tomado de dúvida sobre o significado do vocábulo, consultei a minha mãe, catedrática em antiquários e objetos domésticos. Ela me disse que pixixê é (ou era) um móvel de fundo de parede, do tempo do Êpa, geralmente repleto de esponjas de pó-de-arroz, colônias e latas de talco. Ficava no quarto do casal, e se caracterizava por um espelho grande com gavetas localizadas mais abaixo, nas laterais. Imagina o leitor, para melhor compreensão, uma mesa de computador. A tela do micro seria o espelho, com gavetas na parte inferior. Diferente um pouco da penteadeira, pequena mesa, ou “cômoda”, com gavetas, tendo na parte posterior do tampo um espelho. Uma banqueta ou cadeira somava-se ao conjunto da obra.
As mulheres costumavam se pintar no pixixê, e sobre ele quase sempre havia um bibelô. Sobrava tempo inclusive para conversarem com a imagem refletida no vidro. A dona Ila, genitora deste digitador interiorano, contou ainda que o meu pai, quando guri, era impossível, arteiro a dar com pau, e passava mexendo no pixixê da cunhada, casada com o irmão Nassif, que praticamente terminara de criá-lo, pois havia perdido o pai muito cedo. Aí, para acabar com aquela traquinagem, a tia Didi passava talco na parte plana do móvel e dizia ao Afif que aquilo era veneno pra matar rato. Foi a única forma que ela achou para que o piá parasse de bisbilhotar o adereço de madeira em busca de algo que lhe agradasse os sentidos.
Nos tempos do pixixê se tomava na campanha água direto da sanga, sem qualquer tratamento, e nem caganeira dava no próximo. As frutas eram devoradas sem lavar, sendo que não havia geladeira suficiente para guardar todos os alimentos perecíveis. Os banhos no campo eram frios, inverno e verão. Também se comia com banha de porco guardada em latas de querosene e não se ia parar no hospital e muito menos no cemitério.
A propósito do campo santo, gostaria de saber o que faço com o número do telefone de um amigo falecido no final do ano passado? Liguei dia desses, por engano, pois sabia que tinha morrido, e deu ocupado. Não tenho o direito de deletá-lo da minha agenda do celular, em respeito à nossa inesquecível amizade. Se fizesse isso, estaria contribuindo para o rompimento definitivo de uma cadeia existencial que, quero crer, não chegou ao termo final. O seu timbre de voz enrouquecido pelo cigarro ainda ressoa nítido e bem perto de mim, me convidando para tomarmos um expresso ou uma “coisinha” mais forte naquele bar onde a gente se sente em casa e o dono bebe junto e cobra o justo. Se existe coisa triste neste mundo de Deus é saber que um amigo deixou de existir, que nunca mais vai responder ao teu chamado e nem comungar das mesmas preces, dos mesmos cantares, da mesma lua. Os seus passos na calçada viraram prefácio no livro das lembranças, e os gestos, as conversas demoradas, o sorriso de menino, tudo isso já faz parte do álbum de fotografias aprisionadas ao caudal das recordações.

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